A vocação turística de Poços de Caldas ultrapassa o interesse pelos saudáveis banhos termais, a boa estrutura hoteleira ou os passeios por seus lindos parques
Uma rampa de voo de paraglider, localizada a 1490 metros acima do nível do mar, se transformou em grande atração da cidade, localizada no Sul de Minas Gerais. Situada a poucos metros do maior símbolo turístico do município, o Cristo Redentor, a rampa do Baiano – em homenagem ao piloto Paulo Trevisan, já falecido – é o point de pousos e decolagens para pilotos, turistas em voos duplos e para os que querem se iniciar na prática do esporte.
Ao chegar à rampa, o turista é logo impactado pela paisagem a perder de vista e pelas cores das “velas que voam”: os paragliders (ou parapentes) são multicoloridos e praticamente não existe um igual ao outro. Se voar é com os pássaros, esqueceram de avisar isso a Walter Oliveira, instrutor de voo duplo e vinculado ao Clube Poçoscaldense de Voo Livre (CPVL), fundado em 1996. Para o atleta de 32 anos, este é um esporte apaixonante: “A pessoa começa a voar, aí vem o bichinho do voo e dá uma picada. Pronto. É uma febre que não para nunca mais. O voo livre é um estilo de vida. Só quem voa sabe como é”, revela Oliveira.
Credenciado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e portador de habilitação de aerodesportista da Confederação Brasileira de Voo Livre (CBVL), Walter destaca o crescimento do interesse pelo esporte: “Em 2010, a gente subia até aqui em qualquer dia da semana e não tinha ninguém. Hoje, a realidade é bem diferente. Todos os dias que têm condições de voo tem piloto na rampa. E são vários pilotos. E, mesmo sem tanta divulgação de nosso esporte aqui na cidade, o público se interessa cada vez mais em voos duplos, especialmente nos sábados, domingos e feriados”, afirma.
No voo como no surfe
O voo pode ser comparado ao surfe. Enquanto o surfista examina as ondas, o voador analisa as nuvens e, por elas, sabe das condições dos ventos e das térmicas. Assim como ocorre no surfe, os voadores podem se informar sobre as melhores condições de voo em grupos de whatsapp e em sites de previsão do tempo que indicam a presença do melhor vento para voar – o pré-frontal – e das térmicas e a intensidade dos ventos. “Tem dia que a gente sobe a dez metros por segundo numa térmica. Isso equivale a 36 quilômetros por hora”, comemora. E tem força G nesse cálculo – o que aumenta a adrenalina.
Cada um dos cinco pilotos do clube chega a fazer cerca de 30 voos duplos num único mês para atender à demanda da alta temporada. Para o turista, voar com um piloto habilitado custa R$ 250 e rende belas fotos. O agendamento para voar pode ser feito pelo Instagram no @volcanfly. Já o curso para se tornar um piloto iniciante custa R$ 4.500, com equipamento fornecido pela escola. “Tem que fazer no mínimo 20 aulas práticas, com treinamentos também no solo e nos morrotes – num pequeno voo de 20 a 30 metros, só para aprender a decolar e pousar”.
Depois vem a etapa de 20 voos solos, saindo do alto da montanha. Esse voo é monitorado por rádio. Um dos instrutores fica na rampa de decolagem enquanto o outro fica embaixo à espera, na área de pouso. Os três – aluno e instrutores – se comunicam o tempo inteiro por rádio enquanto durar o voo de instrução, também conhecido como voo prego. O aluno desce praticamente em linha reta – não faz curvas.
Voar é com os turistas
Apesar de ser uma rampa de esporte, o local é um dos preferidos pelos turistas. Voar em Poços de Caldas já é uma tradição. O visitante chega ao Cristo Redentor e vê as asas voando. Seguir até a rampa é quase um ritual que pode resultar numa grande aventura. Outros já vêm com a intenção de voar.
O gravador da entrevista é desligado por alguns instantes. Chegam à rampa quatro automóveis de turistas. Duas delas logo decolam. Catarinense de Joinville, Juliana Serpa, de 44 anos, confecciona roupas para cachorros e voou pela primeira vez: “Achei ótimo. Foi a melhor sensação da minha vida”. Da mesma cidade de Juliana, Myrthes Maertner não revelou a idade, mas adorou a experiência de voar: “Ah, é uma delícia. Um sonho”.
Para o secretário de Turismo de Poços de Caldas, Ricardo Fonseca, o paraglider não é somente uma atividade de passeio e lazer, porque o voo duplo é considerado panorâmico e está inserido na Serra de São Domingos, parte integrante do complexo turístico do município. “O voo de paraglider tem uma história formidável em Poços de Caldas. Fomenta o esporte de aventura que há anos é referência – como ocorre, por exemplo, no Pico do Ibituruna em Governador Valadares (MG) ou mesmo no Rio de Janeiro com seus voos de parapente e asa delta em São Conrado. Vejo com muita simpatia o trabalho que é feito por esses atletas do aerodesporto que trazem ao município a oportunidade de sediar campeonatos estaduais, nacionais e mundiais, proporcionando enorme benefício esportivo e turístico à cidade”, ressalta Fonseca.
O equipamento para voar
Com o tempo, o futuro piloto começa a voar próximo da montanha e a aproveitar as correntes de ar quente para ganhar mais habilidade. As aulas práticas e os 20 voos demandam de três a seis meses. Para se ter uma ideia do interesse pelo esporte, um instrutor do CPVL forma em torno de dez novos pilotos por ano.
O equipamento novo custa entre R$ 20 mil e R$ 30 mil. Já o seminovo fica em torno de R$ 10 mil. Walter Oliveira recomenda ao novo piloto que deixe seu instrutor ajudar na escolha do primeiro paraglider. “O profissional conhece as habilidades e dificuldades de seu aluno. Uma escolha errada pode ser perigosa”, alerta. O equipamento é formado por três partes: a asa (o parapente) , a selete (cadeirinha) e o paraquedas de emergência. O peso e dimensões do equipamento variam de pessoa para pessoa. Do alto dos seus 1,57 m de altura e pesando 52 kg, a pedagoga e piloto iniciante Silvia Orru, de 48 anos, adquiriu seu Sky Paraglider de nove quilos, importado da República Checa, por cerca de R$ 25.000.
Poços de Caldas e sua campeã mundial
Recordista na modalidade de longa distância e bi-campeã mundial de voo livre em paraglider, a bióloga marinha Marcella Uchoa é a piloto referência da cidade. Detentora de três recordes mundiais e três títulos brasileiros, essa poçoscaldense de 33 anos já foi capaz de voar 460,8 km em linha reta em dez horas ininterruptas pelo sertão brasileiro. Especialista no estudo de tubarões, nossa campeã usa 40 quilos de lastro, e só a selete de seu equipamento pesa outros nove quilos. Além disso, ela usa ainda dois paraquedas reservas.
Os tipos de voo
São variadas as modalidades de voo. No “hike and fly”, o praticante sobe uma montanha e, em seguida, escolhe de onde vai saltar sem saber exatamente o local de pouso, e muitas vezes tem que caminhar até o resgate.
No “cross”, após a decolagem, o piloto tenta vencer a maior distância possível. “Daqui da rampa, o piloto conhecido como Tchaka decolou e voou 220 km. Nesse dia, eu voei também e fiz 197 km. Posei no município paulista de Jaboticabal. O Tchaka parou mais adiante um pouco”, conta Walter.
No “voo de competição”, o piloto recebe o roteiro da prova pelo GPS e tem que cumprir aquele percurso. O circuito é praticamente formado por cidades. “Por exemplo, a final do Campeonato Paulista foi disputada aqui. Todo mundo decolou desta rampa. O próximo ponto era o distrito de Palmeiral (MG), a dez quilômetros daqui. Depois, virava-se em direção a Botelhos (MG). Em seguida, passavam novamente aqui pela rampa, e a chegada – que a gente chama de gol – era na igrejinha da Fazenda Santo Aleixo, que fica um pouco à frente da rampa”, descreve o instrutor. Ganha quem chega primeiro. Atitudes perigosas são punidas, assim como entrar em nuvens ou invadir o espaço aéreo. Existem pontos de bônus para quem voar mais tempo na liderança, por exemplo.
- Colaborou: Cláudio Carneiro